Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

terça-feira, setembro 21, 2004

Sou um castelo à beira do mar

Ai, ai, alguém ainda se lembra desta música? A nostalgia e tristeza destes últimos dias têm feito com que ela se tornasse, mais uma vez, uma sincera companheira nas minhas horas de silêncio e isolamento. E fico também a pensar como é que uma pessoa tão nova como eu ainda se lembra de ouvir isto quando era pequeno. Meu Deus, a vida é mesmo uma veloz nuvem passageira. Sabê-lo é viver.


Eu sou nuvem passageira
Que como o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai.

Não adianta escrever meu nome numa pedra
Pois esta pedra em pó vai se transformar
Você não vê que a vida corre contra o tempo?
Sou um castelo de areia na beira do mar...

A lua cheia convida para um longo beijo
Mas o relógio te cobra o dia de amanhã
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito
E a namorada analisada por sobre o divã.

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva
Não quero nem saber do que fazer, vou me matar.
Eu vou deixar um dia a vida e a minha energia
Sou um castelo de areia na beira do mar.

Eu sou nuvem passageira
Que como o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Empréstimo ou doação

“- Não te mete, João.
Foi o conselho que Bel, a mulher de João, deu quando João disse que ia contar ao Gerson que vira sua mulher Mila agarrada com outro homem numa mesa de bar, no fundo, no escurinho.
- Não te mete, João.
- Mas Bel, no fundo, no escurinho.
Não adiantou Bel argumentar que podia ser um parente. Um primo. Alguém que a Mila não via há muito tempo.
- Então era há muito tempo mesmo – disse João. – Se beijavam como se não se vissem há vinte anos. Trinta. Na boca, Bel. E a mão dele na coxa dela. Por baixo da saia. Se era parente, era parente muito próximo.
- Você viu a mão dele na coxa dela?
- Não vi mas deduzi. A mão não estava à vista. A mão só aparecia para...
- Espera um pouquinho. Quanto tempo você ficou espiando a Mila?
- Eu não estava espiando. Não havia como não ver.
- Você disse que estava escuro. Podia não ser a Mila.
- Era a Mila.
- E se era só alguém parecido? Você conta para o Gerson, eles brigam, talvez até se matem, e você estava enganado, não era a Mila. E daí?
- Tenho a certeza que era a Mila, mulher do Gerson. E tenho que contar para o meu melhor amigo. Ele faria o mesmo por mim.

Não adiantou Bel argumentar que Gerson podia não acreditar nele. Ele acreditaria se o Gerson lhe contasse que vira ela, Bel, num bar, agarrada com outro? João respondeu que não acreditaria porque sabia a mulher que tinha. E que o que iria dizer ao Gerson era justamente isso: o Gerson não sabia a mulher que tinha. O Gerson precisava saber a mulher que tinha. Não adiantou Bel argumentar que o Gerson podia muito bem perdoar a Mila e brigar com o João. Que o João estava pondo em risco a sua amizade, além da vida da Mila. Que era melhor para todo o mundo o João não se meter.

Mas João se meteu.

João escolheu a sauna. Por alguma razão, achou que seria mais fácil se os dois estivessem nus. Faziam sauna juntos todas as terças, quando havia menos gente. Pouca gente por perto, os dois reduzidos a apenas isso, dois animais amigos, suando lado a lado. Perfeito. Seria na sauna da terça. João decorou sua fala. O tema seria: a Mila não te merece, você não merece uma mulher como a Mila. Mas João nem conseguiu completar a primeira frase - «Meu amigo, preciso te contar...» - e foi interrompido pelo Gerson, que agarrou seu braço.

- Meu amigo, preciso te contar uma coisa – disse o Gerson.

E Gerson despejou o drama que estava vivendo. João não sabia, talvez desconfiasse, mas agora ia saber. Ele, Gerson, estava arruinado. Perdera tudo. Não tinha a quem recorrer. Vendera todo o seu património mas as dívidas só aumentavam. Recorrera ao património da Mila mas não fora o suficiente. Restava uma saída. O crápula do Jailson, seu primo. O que vivia dando em cima da Mila. O crápula tinha dinheiro. O crápula poderia salvá-lo. Mas para isso, era preciso que a própria Mila pedisse. Que a Mila se encontrasse com o crápula e negociasse o empréstimo,. Ou a doação, dependendo de como se desenrolasse a negociação. Ao princípio, Mila resistira. Tiha nojo do Jailson. Nojo. Mas a isto nos impele este sistema asqueroso, choramingou Gerson, quase encostando a testa do ombro suado do perplexo João. A isto nos leva o dinheiro, a fraqueza humana e uma alma enegrecida pela cupidez. Implorei a Mila para que fosse ter com o crápula e conseguisse o dinheiro. Fui mais crápula que o crápula.
- E ela foi? – perguntou João.
- Foi. Por amor a mim, foi.
- Empréstimo ou doação?
Gerson mal conseguiu falar. Finalmente, com um soluço, disse:
- Doação. Doação!
E:
- Eu não mereço uma mulher assim!

Bel estranhou o laconismo do João, quando este chegou em casa.
- Como é? Contou?
- Ele já sabia.
- Quem era o outro?
- Um primo.
- Um primo? Mas...
João não quis falar mais no assunto. Durante o jantar, ficou pensado: o que a Bel faria por mim, se eu fosse crápula o bastante? A Mila não merece o Gerson. E eu mereço essa mulher? Mereceria a Mila? Concluiu: nenhum homem sabe a mulher que tem, até não tê-la mais.
- O que você está me olhando desse jeito?
- Nada.”

sexta-feira, setembro 17, 2004

Ai shiteru

Eu amo-te tanto, minha querida... Se soubesses como anseio por ti, nas horas em que me falas com os teus olhos doces e as tuas palavras despreocupadas. Se imaginasses como te quero interromper e tomar nos meus braços e amar-te, amar-te, trocar carícias, sentir os teus cabelos, abraçar-te, amar-te. Como eu desejo estar ao teu lado em todas as horas, felizes ou sombrias, para poder ser feliz contigo ou confortar-te com o meu calor.

E no entanto, toda a beleza destes puros sentimentos tem de permanecer encerrada nesse grande cofre que é o meu coração. Amo-te sem te poder amar (e, na minha mente, sem te amar). Minha mais amada, alguma vez verei o dia em que o nosso amor possa existir? Alguma vez poderei sonhar com um terno desfecho para todas as minhas ambições?

Se tu soubesses como te amo, o que farias? O que me dirias? Surpreender-te-ia? Pensarias que tinhas perdido um amigo? Odiar-me-ias? Aceitarias um amigo sabendo o que ele sente?

Pior que isto, o que faria eu se ela me conhecesse e soubesse que o meu amor por ela? Que pensaria eu? É que é infinitamente nobre e mui trágico afogar-me nestes pensamentos de solidão e de amor impossível, mas a que mágoa desceria eu se tivesse de a encarar com os olhos desmascarados de um tolo apaixonado? E quanto à minha promessa, à minha decisão, como poderia sequer guardar uma réstia de dignidade?

Hoje foi um dia triste. O meu amor não pára de crescer. Até onde me levará, não sei, mas estou a habituar-me à solidão. Talvez seja assim que eu deva acabar os meus dias: só, abandonado, e profundamente ferido por uma mágoa que palavras e pensamentos nunca poderão curar.

Mas isso não é novidade, minha pequenina verbi gratia...

sexta-feira, setembro 03, 2004

Torpor

Tenho um novo inimigo: a inactividade.

Um Autor descreveu-a bem. Ela é a Resistência, a terrível força negativa que é o maior flagelo da raça humana desde tempos imemoriais. Insidiosa, calculista, ela é aquela pequena voz na minha alma que me sussura docemente: "não és capaz, deixa estar, laisse tomber, conforma-te, resigna-te". Cada momento é um bom momento para deixar de fazer aquilo que tinha planeado, com que tinha ambicionado. Cada segundo é um bom segundo para excusar-me e desculpar-me, para me afastar e dizer "fica para amanhã". Cada momento é, em suma, um bom momento para deixar de viver.

E eu, qual pagão inocente da decadência, escuto essa voz. E acredito nela. porque no fundo, só pode ser verdade essa mensagem de ruína e dormência. Pouco mais tenho conhecido na minha vida.

Assim cortejam os dias, essa procissão cronometrada a que chamamos dias, semanas e meses e que alguns de nós vieram a identificar como a Vida.