Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

sexta-feira, março 11, 2005

Contigo

Está a tornar-se muito difícil conversar contigo, meu amor.

Tu consegues sempre trocar-me as voltas, não é? Consegues perceber que a minha melancolia é um mero reflexo de outra coisa mais profunda e que não consegues compreender. E fazes-me rir, fazes-me esquecer. De repente, estou a teu lado a sorrir e a viver. De repente, fico feliz por estar ao teu lado. É normal que me afectes tanto. Eu amo-te, tonta.

Todavia, sinto-me estranho. Quando estou a teu lado não consigo permanecer tristonho. É simplesmente impossível. Amo-te demasiado para estragar os momentos que passo contigo sem um sorriso na face ou sem palavras amigas e animadas para te oferecer. Tu fazes-me feliz, apesar de tudo. Contudo, isto também quer dizer que não me conheces bem. Nunca me vês como eu sou, nunca me escutas os meus verdadeiros sentimentos. Assim que viras as costas e partes para a tua vida feliz que me magoa tanto, eu fico abandonado à solidão e transformo-me neste desgraçado lacrimejante.

Talvez isso seja louvável. Eu não quero que me descubras, não quero que saibas que te amo. Se sim, já-to teria dito. A questão é que não adianta nada mostrar-me junto de ti. Junto de ti, só posso ser a pessoa que jurou fazer-te feliz com todo o alento da sua vida. De que me serve que me vejas triste e desgraçado, rasgado por uma solidão que é tão minha e tão forte? Para quê? Para me confrontares? Para me perguntares o que se passa e me confortares? Para eu te responder que te amo? Sim, porque essa é a única resposta a dar. É precisamente a reposta a não dar.

Sinto-me tão estranho. Sinto-me tão estranho por ser tão íntimo de uma pessoa que sabe tão pouco de mim. Como podemos continuar a considerarmo-nos amigos?

Essa pergunta já te ocorreu muitas vezes, não foi? Quase que já te atreveste a colocá-la. De cada vez que eu te escondo o meu amor ficas ressentida. Triste. Quase zangada. E depois fechas-te. Parece-te que eu não confio em ti, ou que eu não correspondo o teu amor e a tua franqueza. E sabes, acho que tens razão. Eu sou um idiota. Não te declaro o meu amor porque tenho medo. Não digo que te amo porque a nossa amizade acabaria. E depois, com que ficaria eu? Com toda a solidão do mundo e nem uma razão para viver.

É por isso que prefiro manter esta meia-amizade, esta meia-relação, esta meia-intimidade. Não é verdadeira, mas ao menos permite-me viver junto de ti e, sim, amar-te também.

Bem, sinto-me muito melhor por ter escrito isto, minha querida. Obrigado.

quinta-feira, março 10, 2005

Simplesmente Amor

Eis que passou um ano desde que aprendi a amar.

Não a amei à primeira vista, como já expliquei. Não sei se esse tipo de amor existe. Sei que simpatizei com ela à primeira vista, sei que me senti atraído, curioso, agitado. Ela era especial, e eu percebia-o, mas não sabia ainda retirar daí as devidas consequências.

Em muitos aspectos, foi há um ano atrás que falei pela primeira vez com ela. E aí sucedeu algo de fantástico. Percebi que ela era a pessoa por quem eu tinha aguardado toda a minha vida, que ela era a minha própria ideia e síntese de paixão e amor.

Mas percebi outra coisa. Assim que descobri o meu amor, tive de abdicar dele. Poderá haver destino mais cruel ou pena mais dolorosa para uma simples alma apaixonada que acabou de encontrar o seu sentido da vida do que dizer que ele tem de esquecer tudo? Que ele tem de colocar tudo atrás de si? Continuar a caminhar em frente? Sozinho? Sozinho, como sempre ele se achou? Sozinho, como ele sempre será se não for pelo amor que nutre?

Faz hoje um ano desde o dia mais feliz da minha vida. E do mais triste também. Já nem consigo distinguir. Haverá sequer alguma diferençam, para mim? Como posso continuar a ser a mesma pessoa se apenas tenho um desejo, uma paixão, um propósito, e ele me está vedado? Não sei como viver assim...

Assusta-me também o facto de já ter decorrido um ano. Um ano inteiro. Semanas e semanas de solidão, intercaladas com dias vazios e horas de mágoa. Horas imensas. Que fiz eu desse tempo? Absolutamente nada, compreendo agora. Se tu tinha asas, elas foram cortadas. Se eu tinha ânimo, ele foi rechaçado. Se eu queria viver, agora já não temo o requiem. O amor que sinto e que é grande demais para estas pobres palavras deu-me o alento para ser a pessoa de sentimentos que sou hoje, sim, mas ao mesmo tempo que fez isso roubou-me algo de imensamente mais precioso, roubou-me a própria concretização do meu amor. Sou como um cego que sabe ler mas não consegue ver. Sou como uma borboleta sem asas que, por alguma razão, continua a viver. Sou como um lindo pássaro que sonha com grandes coisas mas está enjaulado para o resto da sua vida.

Ai wa ai wa doko e yara? Gostava de saber onde estarei daqui a um ano. Gostaria de conhecer o futuro dos meus sentimentos. É que parecem tão perpétuos, tão eternos, tão solidamente fincados na definição da minha pessoa. Não concebo viver sem eles agora, mas eles irão desaparecer, um dia. Talvez leve anos. Talvez leve horas. Talvez só terminem quando eu morrer. Quando eles se desvanecerem, também o eu que sou eu desaparecerá.

Já agora, porquê as estranhas entradas bíblicas que coloquei no texto anterior? É difícil de explicar, mas creio que elas ilustram de um modo quase perfeito parte da minha melancolia. Em ambas temos o povo de Israel, escapado do tormento do Egipto, mas que no entanto recorda com saudades os tempos mais negros.

Estavam indubitavelmente a caminho de uma existência melhor, e sabiam-no bem, mas não conseguiam deixar de duvidar da sua caminhada, nem de suspirar pelos pequenos prazeres de uma vida passada. As cebolas do Egipto, como elas pareciam tão finais para aquele povo sofredor...

Pois bem, tenho saudades de certas coisas que aconteceram durante o último ano. Saudades de sentimentos ou estados de espírito que já não consigo invocar.

Recordo-me, e essa lembrança traz-me lágrimas aos olhos, de como eu me sentia, dia após dia, quando chegava a casa e compreendia que amava alguém. Eu amo alguém. Eu amo! E chorava de felicidade e contentamento por conseguir fazê-lo, sentia-me bem por haver uma pessoa neste mundo que me é tão estranho a quem eu podia devotar toda e qualquer finalidade do meu ser.

Lembro-me das minhas longas caminhadas e do calor que sentia no meu peito ao imaginar o que pensaria ela se soubesse o quão eu a amava. Lembro-me de amaldiçoar todas as horas que passava longe dela e de desejar que os dias vazios se esvoaçassem e eu a pudesse ver o mais cedo possível. Nesses tempos, eu ansiava pelo dia de amanhã, em vez de ter medo do que ela me poderia trazer, como faço agora. Sentia-me tão jovem ,tão cheio de esperança e de maravilhas. Não é que eu tenha deixado de amar, ou que a minha paixão tenha diminuído, mas hoje sinto-me cansaso. Não tenho esperanças, não tenho forças. Tudo o que desejo já nem é estar com ela. É afastar-me de tudo e de todos até que esta dor horrível termine de uma das formas delineadas acima.

Desde há um ano que não sou realmente feliz, mas também não consigo deixar de sentir saudades de certas coisas admiráveis no meu mar de solidão. Das minhas cebolas do Egipto. É que, afinal de contas, como escrevia Bernardo Soares, a mudança é sempre para pior, mesmo quando seja para melhor. A mudança e a evolução acartam sempre a perda de alguma coisa, e esse lastro, bom ou mau, já não volta mais. viver é uma constante subtracção das coisas boas e más de que somos feitos, e se tivermos sorte, perdemos mais momentos doloros do que estados felizes. Mas perdemos sempre alguma coisa. Tenho saudades de tudo o que perdi, mesmo que isso seja feito de mágoa e escuridão. Tenho saudades dos meus tempos de solidão e sofrimento inicial que precederam o fatídico dia de 9 de Março.

Não hesitaria por passar pelo mesmo atroz sofrimento outra vez, pois nunca me senti tão vivo e realizado como nesse dia.

Sinto que poderia continuar a chorar durante páginas e páginas. Mas isso é rídiculo. A minha dor e tristeza apenas têm sentido para mim e apenas reflexamente releva. Há muita tristeza e tragédia à nossa volta, não precisam de ler estas tolas linhas. Mas esta é a MINHA tragédia, e a MINHA solidão, e por isso escrevo tanto sobre tão pouco que é tanto para mim.

Que ano inacreditável que este foi. Um dia, ela saberá até que ponto me faz feliz. E infeliz. Mas isso ela não precisa de saber. Nem vai saber. Vai meramente compreender que este último ano, mesmo que pleno de desilusões e da maior vaga de solidão que jamais senti, foi mesmo o melhor da minha vida.

E não basta isso para eu continuar a amar?