Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

domingo, agosto 29, 2004

De volta

Já regressei.

Foram simpáticas, as férias. Calmas, solarengas, e uma perda de tempo, como todas as férias. Enfim, um tempinho adicional para ler, escrever e sentir.

Regressei, a esta dor. Depois de amanhã, começo a trabalhar. Depois disso tudo se passará como eu bem sei. A velha rotina de silêncio e sofridos momentos. A velha monotonia de ardentes desejos afogados num mar de mágoas. A bem conhecida história deste regresso ao meu tempo de solidão e de abandono.

Sim, regressei.

domingo, agosto 15, 2004

É diferente ...

Não gosto de Lisboa, mas encontro na cidade tem um certo encanto durante o Verão. Não sei o que é, se o silêncio, se o reduzido movimento, se toda esta luz que brilha e rebrilha por todas as lajes e todas as superfícies. Enfim, qualquer coisa. Ontem, passei a manhã inteira à beira-rio, envolto numa preguiça de contemplação que não me deixou até bem tarde. Olhando para as águas calmas e escutando toda a vida que se desenrolava à minha volta, senti-me invadir por uma paz quieta e inesperada. Toda a gente parecia mais vagarosa, o movimento parecia mais calmo e despreocupado.

Sempre gostei de passear à beira-rio, ou ao longo de uma praia deserta que as horas da tarde esvaziaram. Gosto da água, de me sentir pequenino e perceber que cada um de nós é como que insignificante face a tão imponente realidade. E sobretudo, gosto da calma que o ondular das águas induz, do seu som cavo e relaxante, do seu ambiente de poesia e de música.

Não só isso, mas também as tortuosas ruas centenárias da velha vila convidam à caminhada. Perco-me pelas calçadas e vielas dos bairros antigos, sem me preocupar com todas as confusões que habitam esses antros durante o resto do ano. Agora, tudo parece deserto e adormecido, e é assim que deveria sempre ser. Só mesmo este sol abrasador e esta vastidão de descobertas ainda por fazer me fazem regressar ao meu lar, no final do dia.

No Verão, esta é uma bela cidade. Pena que a tenha de deixar em breve.

sábado, agosto 14, 2004

Irremediável

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Há uns meses, uma amiga escreveu-me algo que me ficou na memória e que desde então me tem acompanhado nos pensamentos. Uma frase entre frases que por alguma razão permaneceu. Dizia ela que um dia, durante a sua viagem de comboio de volta a Helsínquia, vira uma senhora entrar numa das paragens e dirigir-se para ela. Como a minha amiga tinha o seu enorme saco de viagem no lugar ao lado, fez imediatamente menção de o afastar, mas a velhinha sorriu e disse-lhe que tal gesto não seria necessário, que a sua paragem estava próxima. Com isto se iniciou uma conversa animada. No entanto, escreve-me, a minha amiga, pelo meio das pequenas coisas interessantes que ela dizia de vez em quando, avultava um pequeno dizer. Repetia então a simpática velhina que "não devíamos deixar acumular muitas nuvens no céu". Pode não ser esta a exacta tradução (e, rigorosamente, não é; apenas transcrevo da carta em francês que a minha amiga me enviou), mas a ideia aqui está.

Não devemos deixar acumular muitas nuvens no céu. Temos pouco tempo, escassas oportunidades e raríssimas repetições. Como será sequer racional não abraçarmos a nossa mortalidade e vivermos sem deixarmos carregar em demasia o firmamento do nosso espírito? Um problema de cada vez, um pensamento encaminhado entre outros.

Falando muito concretamente, sinto que tenho o problema de deixar acumular tempestades num céu que merece permanecer cristalino. A isso me impele a minha personalidade fechada, e convicta em toda a sua estupidez que tudo pode ser resolvido com o tempo e com o esquecimento. Não pode. O tempo não sara feridas, apenas as encobre. O esquecimento não as faz desaparecer: apenas nos torna desprevenidos para quando elas reaparecerem. E reaparecem sempre...

Suponho que sempre foi assim. Suponho que nunca confiei em ninguém para me ajudar. E suponho que até possa ter tido razões para essa desumanidade. Gosto muito de me fingir independente e seguro. Muito me espantei eu quando descobri que podia exalar uma aura de perfeita tranquilidade e serena alegria. Ninguém iria saber. Mentiras, tudo mentiras. Por dentro, desfaço-me com cada hora de silêncio que passo comigo mesmo, por cada minuto de solidão consciente, por cada lágrima brotada. Não há ninguém que veja isso? Ninguém que me ajude? Por favor, eu estou cansado demais para mudar sem ajuda, por favor ajudem-me a não deixar acumular todas estas nuvens na minha negra alma... Eu sei que não posso amar, sei que isso é uma ambígua ilusão e fantasia, mas ao menos dêem-me forças para começar de novo e endireitar esta tristeza que é a minha vida.

Alguém, alguém...