Fim de uma paixão
Quando decidi que o meu amor não poderia existir, nunca pensei que eu pudesse chegar onde me encontro hoje. Não cheguei a julgar que poderia vir a amá-la como o faço nem imaginei que me poderia tornar seu íntimo. Não consegui adivinhar que me tornaria seu amigo e que seria amado por ela. Tenho de admitir, subestimei-me.
Agora, percebo que já fui longe demais, e de uma maneira que temo bem ser irreversível. Se sempre me achei aprisionado e sem escolha (não sei comandar o meu coração), sempre acalentei uma centelha de esperança em poder racionalizar o meu amor e de certa forma perceber qual seria a sua melhor manifestação. Sumariamente decidi: amor é fazer tudo para que a pessoa a quem dedicamos o nosso coração possa sempre ser feliz. Ergo, para ela ser feliz, não a posso amar. Ou antes, não a devo amar. Não agora, não eu.
Claro que isto é muito bonito de se colocar em palavras.
Mas agora tenho de as cumprir e tenho de me afastar. Não sei como o vou fazer. Sei apenas que me vai magoar muito, assim como já me magoou este primeiro dia de consciente afastamento. Se eu apenas estivesse a lidar comigo mesmo, não creio que haveria problemas. Sofreria, sim, mas de uma forma a que de resto já me habituei. No entanto, eu agora já lhe sou demasiado próximo para que ela me deixe cair no esquecimento tão facilmente. Ainda hoje ela percebeu exactamente o que eu estava a tentar fazer e tentou interrogar-me sobre a minha evidente tristeza. Embaraçado, furioso comigo próprio por ser tão óbvio, desconversei. Já não me basta ter de sentir a dor de a esquecer, tenho também de conviver com a mágoa que lhe vou infligir ao me apagar da sua vida. Tenho de a esquecer e, de alguma forma, tenho de fazer com que ela esqueça o pequenino lugar especial que agora ocupo na sua vida.
Apesar de tudo, tenho de ser forte e levar as minhas decisões até às últimas consequências. Nem por isso deixa de ser uma luta tremenda entre a cabeça e o coração.
Ontem à noite, ocupado com estes tristes pensamentos, abri as odes de Ricardo Reis e perdi-me na sua leitura durante umas horas. Adormeci em paz e quando acordei, havia um poema em particular que ainda ressoava no meu espírito. Regresso muito a Ricardo Reis, pois ele tem sempre qualquer palavra de morna tristeza que eu julgo inseparável do meu próprio carácter. Eis a minha ode momentânea.
Sofro, Lídia, do medo do destino.
A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
Meu coração.
Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
Sem renovar
Meus dias, mas que um passe e ouro passe
Ficando eu sempre quase o mesmo; indo
Para a velhice como um dia entra
No anoitecer.
Isto não é o fim do meu amor, é apenas um fim de uma era...