Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

sexta-feira, outubro 29, 2004

Fim de uma paixão

Quando decidi que o meu amor não poderia existir, nunca pensei que eu pudesse chegar onde me encontro hoje. Não cheguei a julgar que poderia vir a amá-la como o faço nem imaginei que me poderia tornar seu íntimo. Não consegui adivinhar que me tornaria seu amigo e que seria amado por ela. Tenho de admitir, subestimei-me.

Agora, percebo que já fui longe demais, e de uma maneira que temo bem ser irreversível. Se sempre me achei aprisionado e sem escolha (não sei comandar o meu coração), sempre acalentei uma centelha de esperança em poder racionalizar o meu amor e de certa forma perceber qual seria a sua melhor manifestação. Sumariamente decidi: amor é fazer tudo para que a pessoa a quem dedicamos o nosso coração possa sempre ser feliz. Ergo, para ela ser feliz, não a posso amar. Ou antes, não a devo amar. Não agora, não eu.

Claro que isto é muito bonito de se colocar em palavras.

Mas agora tenho de as cumprir e tenho de me afastar. Não sei como o vou fazer. Sei apenas que me vai magoar muito, assim como já me magoou este primeiro dia de consciente afastamento. Se eu apenas estivesse a lidar comigo mesmo, não creio que haveria problemas. Sofreria, sim, mas de uma forma a que de resto já me habituei. No entanto, eu agora já lhe sou demasiado próximo para que ela me deixe cair no esquecimento tão facilmente. Ainda hoje ela percebeu exactamente o que eu estava a tentar fazer e tentou interrogar-me sobre a minha evidente tristeza. Embaraçado, furioso comigo próprio por ser tão óbvio, desconversei. Já não me basta ter de sentir a dor de a esquecer, tenho também de conviver com a mágoa que lhe vou infligir ao me apagar da sua vida. Tenho de a esquecer e, de alguma forma, tenho de fazer com que ela esqueça o pequenino lugar especial que agora ocupo na sua vida.

Apesar de tudo, tenho de ser forte e levar as minhas decisões até às últimas consequências. Nem por isso deixa de ser uma luta tremenda entre a cabeça e o coração.

Ontem à noite, ocupado com estes tristes pensamentos, abri as odes de Ricardo Reis e perdi-me na sua leitura durante umas horas. Adormeci em paz e quando acordei, havia um poema em particular que ainda ressoava no meu espírito. Regresso muito a Ricardo Reis, pois ele tem sempre qualquer palavra de morna tristeza que eu julgo inseparável do meu próprio carácter. Eis a minha ode momentânea.


Sofro, Lídia, do medo do destino.
A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
Meu coração.

Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
Sem renovar

Meus dias, mas que um passe e ouro passe
Ficando eu sempre quase o mesmo; indo
Para a velhice como um dia entra
No anoitecer.



Isto não é o fim do meu amor, é apenas um fim de uma era...

4 Comments:

At 1:43 da manhã, Blogger Vincent said...

Eu não estou a contar a história toda.

Mas eu não tenho o direito de pensar que lhe consigo oferecer mais felicidade do que ela possui de momento. E de resto, ela ofusca-me. Tudo nela é tão perfeito e adorável que me faz sentir insignificante, absurdo. Por isso, tenho medo. "Deixem-me os deuses minha vida sempre
/sem renovar".

Eu conheço-a muito bem, e eu conheço-me muito bem. Ela merece muito mais do que aquilo que eu de momento sou. Na nossa relação, esta é a única coisa de que estou certo.

Obrigado pelas visistas myryam. Tens um blog? Gostaria muito de o visitar também.

 
At 10:54 da tarde, Blogger dinah said...

Porque raio hão-de ter os homens a mania de nos fazerem favores? A mania de achar, parvamente, que não são bons o suficiente e ir-se embora é que é bem? Deixe-me contar-lhe um segredo: as mulheres querem muito pouco, e aceitam menos ainda. Se soubesse as tretas que aturamos dos homens que gostamos, horas que não chegam, telefones que não tocam, amor que não têm, pequenas e grandes desatenções e humilhações. E tudo isso é esquecido por uma palavra, um gesto. Não nos façam favores, por favor.
Se gosta, fique. Sem ques, nem mas. Fique. Dê uma hipótese a si mesmo e à pobre desgraçada que gosta de si. O amor não é de grandes gestos morais, mas de pequenos gestos partilhados. E é tão rara essa partilha. A sério, não lhe faça favores. Ela não precisa, não compreende e provavelmente, não lhe faz falta.

dinah

 
At 1:08 da manhã, Blogger Vincent said...

Palavras que eu mereço, mas apenas porque não apresentei o quadro completo nem consigo manobrar as palavras para exprimir o meu pensamento.

Na verdade, não sei como responder. Podia narrar o quadro por inteiro e depois verias que eu talvez tenha razão. Eu não lhe pretendo fazer favores e nada me seria mais abominável do que vir a magoá-la seriamente. No entanto, eu estou a mais nesta equação. Ela vive, feliz, desperta e jovem rodeada daqueles que ama. Eu sou um desses afortunados, mas não o primeiro.

Eu podia, como se costuma dizer, lutar por ela. Disputá-la. Conquistá-la. Eu podia fazer algo semelhante, ou até podia continuar a acreditar que podemos vir a existir, que podemos vir a amar-nos igualmente.

E talvez sim. Mas então eu teria de assumir que conseguiria torná-la mais feliz do que ela já está. Teria que acreditar que sou mais do que aquela que ela mais ama. Por enquanto, não acredito. Mas não consigo colocar de parte a hipótese de um dia, quem sabe, crer que sou o melhor para a minha amada, eu e mais ninguém. Se eu não mantivesse aberta esta possibilidade, então, sim, creio que estaria a agir muito egoistamente. Seria agir por medo e cobardia. Seria largar algo que poderia um dia florir e votar ao abandono uma pessoa que amo mais do que vida.

Mas espera, eu vou tentar usar as palavras mais claramente. A crueza também me faz bem, de vez em quando. Ela está, como se pode dizer, comprometida. Ela ama-o muito. Ela ama-me muito. Eu sei disto, e sei igualmente que ela vive cada dia com uma felicidade que muitos de nós apenas sonha encontrar. Eu estou sempre lá para a apoiar e continuarei a fazê-lo. Disso resulta a nossa intimidade. Mas não quero destruir este quadro idílico, destruir essa relação. Vamos manter tudo belo e intocado por agora. Ela merece esta paz, e merece o amigo que, com toda a modéstia, eu sou para ela.

Desculpa-me por esta longa resposta. Infelizmente, eu escrevo como penso, o que resulta numa amálgama de contradições, estou certo. Estou também seguro que não soube responder a muitas das boas questões que me apontaste. Parte do teu comentário fez-me pensar que não tinhas razão, mas outra parte alertou-me para o facto de poder estar a ver as coisas em termos demasiado simplistas ou individualistas. Por isso até foi muito bem merecido, e agradeço-te muito por ele.

 
At 1:11 da manhã, Blogger Vincent said...

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