Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

sábado, agosto 14, 2004

Irremediável

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Há uns meses, uma amiga escreveu-me algo que me ficou na memória e que desde então me tem acompanhado nos pensamentos. Uma frase entre frases que por alguma razão permaneceu. Dizia ela que um dia, durante a sua viagem de comboio de volta a Helsínquia, vira uma senhora entrar numa das paragens e dirigir-se para ela. Como a minha amiga tinha o seu enorme saco de viagem no lugar ao lado, fez imediatamente menção de o afastar, mas a velhinha sorriu e disse-lhe que tal gesto não seria necessário, que a sua paragem estava próxima. Com isto se iniciou uma conversa animada. No entanto, escreve-me, a minha amiga, pelo meio das pequenas coisas interessantes que ela dizia de vez em quando, avultava um pequeno dizer. Repetia então a simpática velhina que "não devíamos deixar acumular muitas nuvens no céu". Pode não ser esta a exacta tradução (e, rigorosamente, não é; apenas transcrevo da carta em francês que a minha amiga me enviou), mas a ideia aqui está.

Não devemos deixar acumular muitas nuvens no céu. Temos pouco tempo, escassas oportunidades e raríssimas repetições. Como será sequer racional não abraçarmos a nossa mortalidade e vivermos sem deixarmos carregar em demasia o firmamento do nosso espírito? Um problema de cada vez, um pensamento encaminhado entre outros.

Falando muito concretamente, sinto que tenho o problema de deixar acumular tempestades num céu que merece permanecer cristalino. A isso me impele a minha personalidade fechada, e convicta em toda a sua estupidez que tudo pode ser resolvido com o tempo e com o esquecimento. Não pode. O tempo não sara feridas, apenas as encobre. O esquecimento não as faz desaparecer: apenas nos torna desprevenidos para quando elas reaparecerem. E reaparecem sempre...

Suponho que sempre foi assim. Suponho que nunca confiei em ninguém para me ajudar. E suponho que até possa ter tido razões para essa desumanidade. Gosto muito de me fingir independente e seguro. Muito me espantei eu quando descobri que podia exalar uma aura de perfeita tranquilidade e serena alegria. Ninguém iria saber. Mentiras, tudo mentiras. Por dentro, desfaço-me com cada hora de silêncio que passo comigo mesmo, por cada minuto de solidão consciente, por cada lágrima brotada. Não há ninguém que veja isso? Ninguém que me ajude? Por favor, eu estou cansado demais para mudar sem ajuda, por favor ajudem-me a não deixar acumular todas estas nuvens na minha negra alma... Eu sei que não posso amar, sei que isso é uma ambígua ilusão e fantasia, mas ao menos dêem-me forças para começar de novo e endireitar esta tristeza que é a minha vida.

Alguém, alguém...