Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

quinta-feira, março 10, 2005

Simplesmente Amor

Eis que passou um ano desde que aprendi a amar.

Não a amei à primeira vista, como já expliquei. Não sei se esse tipo de amor existe. Sei que simpatizei com ela à primeira vista, sei que me senti atraído, curioso, agitado. Ela era especial, e eu percebia-o, mas não sabia ainda retirar daí as devidas consequências.

Em muitos aspectos, foi há um ano atrás que falei pela primeira vez com ela. E aí sucedeu algo de fantástico. Percebi que ela era a pessoa por quem eu tinha aguardado toda a minha vida, que ela era a minha própria ideia e síntese de paixão e amor.

Mas percebi outra coisa. Assim que descobri o meu amor, tive de abdicar dele. Poderá haver destino mais cruel ou pena mais dolorosa para uma simples alma apaixonada que acabou de encontrar o seu sentido da vida do que dizer que ele tem de esquecer tudo? Que ele tem de colocar tudo atrás de si? Continuar a caminhar em frente? Sozinho? Sozinho, como sempre ele se achou? Sozinho, como ele sempre será se não for pelo amor que nutre?

Faz hoje um ano desde o dia mais feliz da minha vida. E do mais triste também. Já nem consigo distinguir. Haverá sequer alguma diferençam, para mim? Como posso continuar a ser a mesma pessoa se apenas tenho um desejo, uma paixão, um propósito, e ele me está vedado? Não sei como viver assim...

Assusta-me também o facto de já ter decorrido um ano. Um ano inteiro. Semanas e semanas de solidão, intercaladas com dias vazios e horas de mágoa. Horas imensas. Que fiz eu desse tempo? Absolutamente nada, compreendo agora. Se tu tinha asas, elas foram cortadas. Se eu tinha ânimo, ele foi rechaçado. Se eu queria viver, agora já não temo o requiem. O amor que sinto e que é grande demais para estas pobres palavras deu-me o alento para ser a pessoa de sentimentos que sou hoje, sim, mas ao mesmo tempo que fez isso roubou-me algo de imensamente mais precioso, roubou-me a própria concretização do meu amor. Sou como um cego que sabe ler mas não consegue ver. Sou como uma borboleta sem asas que, por alguma razão, continua a viver. Sou como um lindo pássaro que sonha com grandes coisas mas está enjaulado para o resto da sua vida.

Ai wa ai wa doko e yara? Gostava de saber onde estarei daqui a um ano. Gostaria de conhecer o futuro dos meus sentimentos. É que parecem tão perpétuos, tão eternos, tão solidamente fincados na definição da minha pessoa. Não concebo viver sem eles agora, mas eles irão desaparecer, um dia. Talvez leve anos. Talvez leve horas. Talvez só terminem quando eu morrer. Quando eles se desvanecerem, também o eu que sou eu desaparecerá.

Já agora, porquê as estranhas entradas bíblicas que coloquei no texto anterior? É difícil de explicar, mas creio que elas ilustram de um modo quase perfeito parte da minha melancolia. Em ambas temos o povo de Israel, escapado do tormento do Egipto, mas que no entanto recorda com saudades os tempos mais negros.

Estavam indubitavelmente a caminho de uma existência melhor, e sabiam-no bem, mas não conseguiam deixar de duvidar da sua caminhada, nem de suspirar pelos pequenos prazeres de uma vida passada. As cebolas do Egipto, como elas pareciam tão finais para aquele povo sofredor...

Pois bem, tenho saudades de certas coisas que aconteceram durante o último ano. Saudades de sentimentos ou estados de espírito que já não consigo invocar.

Recordo-me, e essa lembrança traz-me lágrimas aos olhos, de como eu me sentia, dia após dia, quando chegava a casa e compreendia que amava alguém. Eu amo alguém. Eu amo! E chorava de felicidade e contentamento por conseguir fazê-lo, sentia-me bem por haver uma pessoa neste mundo que me é tão estranho a quem eu podia devotar toda e qualquer finalidade do meu ser.

Lembro-me das minhas longas caminhadas e do calor que sentia no meu peito ao imaginar o que pensaria ela se soubesse o quão eu a amava. Lembro-me de amaldiçoar todas as horas que passava longe dela e de desejar que os dias vazios se esvoaçassem e eu a pudesse ver o mais cedo possível. Nesses tempos, eu ansiava pelo dia de amanhã, em vez de ter medo do que ela me poderia trazer, como faço agora. Sentia-me tão jovem ,tão cheio de esperança e de maravilhas. Não é que eu tenha deixado de amar, ou que a minha paixão tenha diminuído, mas hoje sinto-me cansaso. Não tenho esperanças, não tenho forças. Tudo o que desejo já nem é estar com ela. É afastar-me de tudo e de todos até que esta dor horrível termine de uma das formas delineadas acima.

Desde há um ano que não sou realmente feliz, mas também não consigo deixar de sentir saudades de certas coisas admiráveis no meu mar de solidão. Das minhas cebolas do Egipto. É que, afinal de contas, como escrevia Bernardo Soares, a mudança é sempre para pior, mesmo quando seja para melhor. A mudança e a evolução acartam sempre a perda de alguma coisa, e esse lastro, bom ou mau, já não volta mais. viver é uma constante subtracção das coisas boas e más de que somos feitos, e se tivermos sorte, perdemos mais momentos doloros do que estados felizes. Mas perdemos sempre alguma coisa. Tenho saudades de tudo o que perdi, mesmo que isso seja feito de mágoa e escuridão. Tenho saudades dos meus tempos de solidão e sofrimento inicial que precederam o fatídico dia de 9 de Março.

Não hesitaria por passar pelo mesmo atroz sofrimento outra vez, pois nunca me senti tão vivo e realizado como nesse dia.

Sinto que poderia continuar a chorar durante páginas e páginas. Mas isso é rídiculo. A minha dor e tristeza apenas têm sentido para mim e apenas reflexamente releva. Há muita tristeza e tragédia à nossa volta, não precisam de ler estas tolas linhas. Mas esta é a MINHA tragédia, e a MINHA solidão, e por isso escrevo tanto sobre tão pouco que é tanto para mim.

Que ano inacreditável que este foi. Um dia, ela saberá até que ponto me faz feliz. E infeliz. Mas isso ela não precisa de saber. Nem vai saber. Vai meramente compreender que este último ano, mesmo que pleno de desilusões e da maior vaga de solidão que jamais senti, foi mesmo o melhor da minha vida.

E não basta isso para eu continuar a amar?

3 Comments:

At 2:59 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Poxa vida... faço das palavras de Priscila as minhas. Será que a dor da solidão é a mesma para todas as pessoas que sentem ou que já sentiram? Acabo de ter a certeza que sim. Pois, eu senti exatamente tudo que você escreveu. É a primeira vez que estou sentindo a dor da solidão, no meu caso, ainda estou morando com meu amor, mas é como se não estivesse. Nesse monento não sei onde ele está e eu, estou aqui, sozinha e tendo o prazer de ler as palavras mágicas que você acabou de escrever. Muito obrigada por me fazer sentir melhor. Tenho a absoluta certeza que somos mais fortes que nossos próprios sentimentos. Farei o possível para passar o mais rápido possível dessa minha nova fase.

 
At 11:16 da manhã, Blogger Vincent said...

Bem, agora não sei o que dizer. Obrigado às duas, pois apesar de não ser confortante saber que existem pessoas sós neste mundo, alegro-me ao menos por pensar que encontraram algum conforto nas minhas palavras.

Nem sejam demasiado negativas. De certeza que a vossa solidão será apenas temporária, e que poderão um dia recordá-la como estímulo e instância de construção de um futuro melhor. Para a grande maioria das pessoa, ou mesmo para todas, nunca há que desistir, nunca há que desesperar.

Beijinhos, e boa sorte para tudo,

-Vincent-

 
At 12:08 da manhã, Blogger ana said...

:)

Um sorriso cheio de lágrimas.

 

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