Als das kind kind war
"Quando a criança era criança
Era tempo para estas perguntas:
Porque sou eu eu e não tu?
Porque estou aqui, e não ali?
Quando começou o tempo, e onde termina o espaço?
Não será a vida sob o sol apenas um sonho?
Não será aquilo que eu vejo, oiço e cheiro
apenas a ilusão de um mundo anterior ao mundo?
O mal existe realmente,
e há pessoas que são realmente más?
Como pode ser que eu, que sou eu,
não existisse antes de me tornar eu
e que um dia
aquele que sou eu
vá deixar de ser aquele que eu sou?"
Ontem revi "As Asas do Desejo", o maior dos filmes de Wim Wenders. Vê-lo é uma experiência que nunca se repete. Foi também a primeira vez que consegui desligar as legendas e deixar-me invadir pela interpretação atenta do liricismo emprestado de Peter Handke.
Senti o filme de forma mais autêntica, menos mediada. Certo será que ainda não domino a língua tão bem como gostaria e que alguns minúsculos sentidos poéticos ainda me escaparão. Nem interessa muito. Tenho as palavras dos anjos tão gravadas na minha memória que as poderia transcrever a qualquer altura, e a Canção da Infância é um dos poemas que recordo diariamente.
A beleza deste filme não é descritível. Há algo de muito comovente em todos aqueles anjos trágicos e nobres, pequeninas testemunhas de um Deus que criou um mundo e depois precisou de alguém que o presenciasse, venerasse, mas achou-se sem ninguém. Acompanham-me as frias ruas de Berlim, palpitantes de emoções abafadas e pensamentos envergonhados, o desejo de sentir mais, sempre mais, de viver e escutar o batimento de um coração apaixonado. Esfumam-se os cinzentos da eternidade e a percepção garrida dos que caíram e acordaram para o mundo, a busca pelo amor que faz até um ser imortal abandonar tudo e haurir uma eternidade.
Podia falar desta obra o dia inteiro. Se não o conhecem e não têm medo de se perder em doces devaneios existenciais, vão vê-lo, vão vê-lo já.
3 Comments:
É de facto muito rica a blogoesfera... não há tempo de solidão para além do teu, acompanhar-lo-ei.
Eis-me por cá a reboque do comentário deixado no cócegas a propósito dos anjos todos que habitam o impossível... Não só é um dos melhores filmes do Wim Wenders como é um dos mais poéticos de sempre de toda a história do cinema.
Obrigatório ver, sempre!
Não costumo deixar comentários em blogues, mas desta vez não resisti!... Tenho que dizer que ao ler o teu post, era como se estivesse a ler as minhas próprias palavras: já revi as Asas do Desejo dezenas de vezes, mas há sempre algo de novo em cada uma delas... Não sei alemão, mas sei de cor a Canção da Infância e também a repito vezes e vezes sem conta...
O verdadeiro amigo é aquele que te deixa ser quem realmente és. Um grande abraço a todos os anjos que sobrevoam o teu blogue.
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