Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

terça-feira, junho 01, 2004

Hoje

E hoje, como me sinto? Bem, quase na mesma situação. Diz-se que o tempo cura todas as feridas e isso é certamente verdade, mas passarão muitos anos antes que a minha dor inelidível conheça um apreciativo retrocesso.

Sinto, por mim, que me devo explicar. Tudo o que eu até agora disse foi nada. Que eu estou apaixonado e que já sofri com isso é a história regular das nações e dos povos, a realidade com que cada humano tem de lidar, em menor ou maior grau, durante mais ou menos tempo, durante cada dia da sua existência. Por isso, se eu apesar disso ainda insisti em escrever tudo isto, é porque devo sentir que a minha situação tem algo de incomum ou especial. Será então isso que tentarei exprimir.

Estou certo que já me repeti imensas vezes ao dizer que, no dealbar auto-trágico do meu amor, fui posto à prova, mesmo que tal não se afigurasse inteiramente claro no princípio. Mas agora é mais que claro que tudo isto não passa de um gigantesco teste à minha própria pessoa. Não é um teste que me dará a hipótese de ser feliz se eu for bem sucedido porque essa recompensa, infelizmente há muito que escapou para além do meu fraco alcance. Não, não é uma prova que se veja ou que tenha um resultado maravilhoso que compense as atribulações do sofredor que aceita o desafio. Nada de bom ou de mau me esperará, mas eu conseguir superar esta prova, então emergirei mais honesto comigo mesmo e saberei aquilo que vale o meu amor e sentimento.

Sem pingo de paradoxo, estou que seguro que a maior parte das pessoas que se consideram apaixonadas (e que genuinamente o estão), nunca se interrogaram verdadeiramente sobre o que é amor. É algo que eu tive de fazer contudo, e é uma experiência que não desejo a ninguém. É terrível perceber que amor não é só sentimento, é absolutamente devastador perceber que por vezes devemos amar com os nossos pensamentos e não com o nosso coração.

Não há uma definição de amor, não há um conceito unívoco. É sentimento, e isso deve bastar. Sim, isso deveria bastar, deveria ser o suficiente para que uma pessoa vivesse esclarecida. Mas no meu caso isso não chegou.

Para mim, amor é até simples. É sentir algo por alguém e perceber que tenho de fazer tudo para que ela seja feliz, que tenho de oferecer a minha vida em perseguição da sua felicidade e não da minha. E se a minha bondade nos conduzir a um meigo futuro partilhado, então verdadeiramente terei tudo o que alguma vez poderia desejar, ou atrever-me a conceber. Mas se só ela for feliz, também eu o terei de ser. Assim, para mim, reveste-se de uma simplicidade atordoante: é querer o melhor para a pessoa que amo, independentemente do que me possa acontecer ou do que eu possa sentir.

Eis a acutilante questão: e se a felicidade dela implicar a minha ausência? E se eu perceber que ela possivelmente viverá mais feliz se eu desaparecer da sua vida? Então que farei?

Lembro-me com toda a perfeição de quando ela me falou mais profundamente da sua vida, das coisas que a preenchiam. Falou do que pensava e acreditava, do que sentia e quem amava. Falou de si. E eu compreendi algo, ao ouvi-la tão sincera: ela era feliz, ela era muito feliz, e isso sem mim. Tive de conter as minhas lágrimas ao olhar para os seus lindos olhinhos negros que transbordavam de felicidade, de meigo contentamento. Depois disso, o que poderia eu fazer?

Não consigo, nem tentarei, exprimir, a dor que isto me causa. Percebi, há uns meses atrás, que poderíamos, porventura ser felizes. Tanto em comum partilhamos, tantas alegrias e pensamentos, tantas ideias e afinidades! E, no entanto, eu agora tenho de escolher afastar-me e morrer no silêncio que passará a existir entre nós. Isto porque sei que não tenho o mínimo direito de sequer pensar que poderei oferecer-lhe mais do que ela tem agora, ou tanto quanto ela poderá vir a ter no decurso da sua vida feliz e cheia de amor.

Cabe aqui uma proclamação. Eu faria tudo para a sua felicidade, eu faria tudo por ela e daria tudo o que posso dar nesta pequena vida que posssuo para lhe conceder a mais pequena réstia de alegria. Eu nunca a abandonaria, eu nunca a desiludiria. Eu seria eu e no entanto saberia dar mais do que aquilo que sou. Eu estaria sempre pronto para tudo. Mas nem esta convicção de ferro, esta certeza, me dá o direito de pensar que eu, eu, uma pessoa como eu, como eu! poderia oferecer-lhe mais do que ela já possui. Ela tem amor, alegria e uma vida só dela. E eu amo-a. Não é justo que eu a ame, não é justo para ela.

Eis a prova: conscientemente tomar a decisão de me afastar, de desaparecer e deixá-la ser feliz longe de mim (ou perto de mim, não interessa, mas sem mim). Será uma batalha do espírito contra o pensamento. Terei os meus pensamentos para a amar e para lentamente mutilar o meu coração, a minha emoção que não pode amar. Quando o meu coração tiver finalmente sucumbido à restrição a que me escolhi votar, então saberei que venci na prova que me impus e que estarei um passo mais proximo de saber o que é o amor e de amar. Que tristeza, ter de recusar o amor para poder amar de verdade!

É terrível perceber que não podemos acrescentar nada à felicidade da nossa amada. É terrível saber que o nosso tempo já acabou ou que, pior, nunca chegou e provavelmente nunca terá chegado ou estará para chegar. E, por entre as lágrimas perdidas e secretas de que ninguém alguma vez ouvir falar e de quem alguém jamais entoará um sunt lacrimae rerum, surge um grito que me irrompe do peito e que é pautado por paixão e desespero: porque é que há sempre algo que não me deixa amar?

1 Comments:

At 10:33 da tarde, Blogger Vincent said...

Não tinha pensado nisso, mas é um bom acrescento à minha ideia. Os pensamentos constituem uma maior parte do amor do que geralmente gostamos de reconhecer. Quanto a "falsas esperanças", não concebo essa ideia. Em alguns casos pode não haver esperanças "falsas" ou motivações "correctas". Creio que o meu caso é um exemplo disso. Eu sei, com a certeza de uma intuição fortíssima, que tenho a hipótese de ser feliz, que isso está ao meu alcance, que o meu futuro pode corresponder às esperanças que projectei no meu espírito. Eu poderia ser feliz se cedesse ao meu amor. Mas ela poderia ser ainda mais feliz se eu não o fizesse. Não sei se parti de esperanças falsas. Sei que elas se podem realizar se eu assim o escolher, o que não escolherei (no caso de superar a prova terrível que se aproxima).

O meu amor não é uma impossibilidade. Se não vier a existir, é porque eu sinto que não deve vir a existir. E honestamente, não sei se conseguirei sentir esse dever durante muito mais tempo…

Obrigado pela opinião e comentário.

 

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