Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

segunda-feira, abril 05, 2004

Insuportável inconsciência

É talvez por inveja que magico estas linhas, mas de cada vez que leio alguma coisa que ele escreveu, vêem-me sempre à cabeça os terríveis versos inseridos n’Os Maias com propósitos satíricos, vá-se lá saber porquê... Terá a ver com o seu estilo? Ou simplesmente com a sua insuportável atitude de filólogo romântico?

O Eusebiozinho (que também podia ser ele) recita:

É noite, o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeio céu,
Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu…


O problema é que não hão-de faltar Vilaças e falsos românticos a acharem tudo aquilo uma maravilha ("Que memória! Que memória!… É um prodígio!…").

Onde está a inveja? Reside então no triste facto de eu nem coisas como aquela conseguir elaborar. Mesmo toldadas por um pedantismo balofo e grosseiro, mesmo apaziguadoras dos sentimentos fáceis, fazendo malabarismo com as palavras como se tudo se tratasse de uma brincadeira, encontrando manifestos desígnios de satisfação ao desabar com a maior quantidade possível de pesados adjectivos numa oração, ora bem, mesmo assim, é algo que eu até desejaria saber fazer!

Bela crítica, portanto, que aqui (me) dirijo! É melhor fazer mal ou não fazer de todo? Bom, ao menos se nada criar, ninguém consigo desencaminhar da busca das coisas com real valor. E isso já é alguma coisa. (tudo isto, claro, partindo da grande presunção que alguma vez teria capacidade para exercer tal influência, o que é improvavél – oh, não caminhemos por aí; abrir-se-ia um trilho ofuscante de espirais auto-denegridoras…).