Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

sábado, maio 15, 2004

Uma prova

É–me interessante ver que não tenho escrito muito, neste últimos tempos. Especialmente para este cantinho abandonado do exílio. Já passam mesmo semanas desde que fiz a tola proclamação de abrir um círculo neste aglomerado de textos e de dissertar livre e pobremente, como já é a minha ilustre marca, sobre o tema escolhido. Nem tão pouco me pretendo desculpar, pelo meu hiatos ou pela minha débil escrita, pois isso acarretaria a inefável assunção de que os meus textos eram efectivamente lidos e comentados o que, felizmente, não é o caso.

Hoje, que não marcará o início de tão auspicioso ciclo de angústias e tormentas revoltantes, pretendo fazer uma pequena invocação. Uma invocação às musas, se a tais seres gostarmos de atender. Musas de Olimpo ou de Helicon, as Três ou as Nove, é-me indiferente. Tratar-se-á sempre de um pedido para que me seja concedida inspiração e verve, assim como o seu pronto comando e domínio.

Pela natureza desta entrada, faça-se revestir todo o texto de uns gigantes parêntesis.

Mais uma vez, não há detalhes ou concretismos a dar. Bastará referir que se aproxima a data em que terei de saber oferecer o meu melhor porque serei novamente posto à prova (repare-se que digo novamente, mas isso é algo que só dentro de alguns dias será inteiramente claro ao leitor). É um pequeníssimo desafio, alguns diriam, mas que se afigura de imensas proporções para a minha reduzida alma, tanto que mais que pode marcar um ponto de viragem, se eu assim o desejar (o que não desejo), na minha já conturbada vida.

Curiosamente, é tanto uma prova de sentimento e valor quanto um teste literário. Os meus fracos conhecimentos estético-literários serão também eles objecto de cuidado pela minha parte. Cada palavra terá de ser escolhida com ínfima consideração. Cada frase deverá ter o sentido exacto que eu pretender. Cada um dos meus sentimentos tem de encontrar correspondência imaculada nas palavras que venha a inscrever nessa complicada carta.

Não escondo que tenho medo, que tenho receio daquilo que posso afirmar ou, por formas correctas ou incorrectas, assumidas ou inadvertidas, dar a entender. Tenho medo de mim próprio e de como posso reagir perante uma situação de profunda sinceridade com os meus sentimentos.

Não deixa, no entanto, de ser interessante este teste. Não é todos os dias que me sinto na obrigação de seguir um imperativo tão forte de rigor e cuidado. É quase adorável a forma como não consigo deixar de pensar no que tenho de fazer e na forma perfeita como o tenho de fazer. É apaixonante reconhecer os pensamentos perdidos que preparo e ordeno, é quasi-enternecedor ver o grau com que me preocupo. Em suma, aperceber-me que no fundo tomo isto muito a sério. E nunca acho demais recordar para mim próprio da absoluta necessidade de eu, chegada a hora, saber estar no meu melhor, de eu exceder-me em todos os níveis possíveis de excelência atingível.

Começo a pensar, agora, se a certeza só se prova com a consequência. Pretendo realizar este trabalho mas serei capaz de o fazer, mesmo sabendo ou suspeitando fortemente que sou capaz? Tenho a certeza que sim, mas até essa certeza se traduzir em facto e consequência, em algo de tangível, como poderei reconhecer a validade das minhas ambições? Ou nem haverá certezas antes de uma efectivação material ou abstracta do seu conteúdo? Talvez seja um debate que eu deseje aprofundar noutra altura. Sinto que por hoje já esgotei o que de possivelmente relevante haveria no meu pensamento numa torrente excessiva de palavras.

Invoco, pois, todos os poderes elusivos da inspiração, para que me acompanhem nas próximas semanas e me dêem as forças necessárias para que eu saiba erguer o meu espírito à altura do desafio. A hora aproxima-se, célere e imperdoável, e eu tenho de estar preparado quando o derradeiro momento chegar.