Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Eu tenho um rendez-vous com a solidão...

Só mais uns dias. Só mais uma semana até reviver tudo. Estou amaldiçoado com uma memória fortíssima de tempos idos e com um espírito ritualista. É mais forte que eu, o dramatismo e o mise-en-scène correm-me nas veias.

Março... Março aproxima-se, e quer eu queira disfarçar ou não, vai ser o mês mais frio do ano...

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Lacrimosa dies illa ...

Meu Deus, há quanto tempo já não venho a este blog! Já criou teias de aranha na minha ausência, um interregno que, infelizmente, não foi motivado por qualquer género de cessação do meu exílio ou solidão. Antes tivesse sido. Todavia, conforme já expus por aqui em tempos anteriores, a tristeza não me motiva, não me acirra qualquer veia poética ou artística. Apenas me faz odiar a vida e a perder qualquer vontade criadora. Deixo de existir para mim e para os outros, é tudo.

E depois, vir aqui para quê? Para me encher de mais solidão com palavras que relatam aquilo que sinto ou que vivo? Já me chega o sofrimento do quotidiano, já me chegam todas as fugas que não têm o poder de aquecer o meu coração.

Mas há sempre algo de reconfortante, algures.

Devo admtir que, durante as últimas semanas, tenho encontrado grande conforto no Requiem incompleto de Mozart. Tenho ficado horas imóvel a deleitar-me com alguns dos seus movimentos, e percebi mesmo que até agora nunca tinha conseguido perceber a essência da sua música. Tantas vezes que eu já ouvi o Requiem e nunca compreendi...

É que este Requiem não é triste. Enfim, qualquer requiem é uma música fúnebre, mas este não é feito de mágoas. Não consigo ficar triste ao apreciar as suas notas. Há desespero, sim, há força, poder e sentimento, mas não sei se haverá tristeza. Se a invoca, é apenas porque ela já existe no fundo do nosso coração, e a sua beleza apenas nos faz recordar com mais força daquilo que já transportamos em nós. Não, em cada um dos andamentos do Requiem só existe a mais profunda compaixão em cada um dos seus andamentos, e a mais reconfortante das mensagens que uma profunda alma solitária pode ouvir.

Mas claro, há sempre o Lacrimosa. Terrível Lacrimosa. Comovente Lacrimosa. Foi este o andamento que mais confusão me causou, e foi este o responsável pelo meu falso entendimento da obra. É que o Lacrimosa é poderosíssimo. É a suprema ideia de música pura e bela. E como todas as coisas belas, é também muito suave, e enganadoramente triste. É como um lamento que apela directamente para aquilo que estivermos a sentir em cada momento: já o ouvi como oração, como murmúrio ou como luto. Depois passei a ouvi-lo como mágoa. Mas na verdade, ele é todo esperança e luz.

Foi o Lacrimosa que me fez compreender algo, foi esse oitavo movimento que me abriu a alma ao Requiem. O seu coro anseia por algo que esta vida não lhe pode dar, sente um desejo de uma ambiguidade absoluta e de uma existência perfeita. A música não é deste mundo. Fala-se do fim e da escuridão, e no entanto não se teme a sua dor. Como é isto possível?

É que há que ter esperança, apesar de tudo. Venha o que vier. O que o Requiem me diz agora é que a morte não é assim tão terrível como isso. Ou não deve ser. Não sei. Mas pode ser esperança e pode ser luz, pode ser uma visão confortante. "Requiem aeternam dona eis, Domine", "Concedei-lhes eterno repouso, Senhor", são as primeiras palavras e ideias do Introitus. É uma verdadeira e maravilhosa missa fúnebre.

O Lacrimosa (e o Requiem em geral) adquirem ainda uma dimensão mais comovente se nos recordarmos que Mozart estava às portas da morte quando o escreveu. Muitos acreditam que o Lacrimosa contém as suas últimas escrituras (embora provavelmente tenha sido a sequentia do Domine Jesu and Hostias a última a ser escrita), e o facto permanece que é um movimento, como muitos outros, incompleto. Todavia, a sua mensagem é clara e não foi deturpada ou escondida por entre as muitas variações a que a partitura foi sujeita. Em cada nota desta obra, em cada lamento e exortação que o coro profere, em cada acorde que percorre e desliza pelas várias dimensões da melodia, é perfeitamente inteligível a intenção última de Mozart.

O que quer que venha depois de tudo isto, não pode ser assim tão mau.

"A minha solidão alegra-se com esta elegante esperança".

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Sonolência

A monotonia...

Que maçada ter de sofrer com toda esta monotonia. É um paradoxo insondável da minha pessoa, que eu tenha de sentir tanto e todavia padecer de profundos acessos de tédio. A tristeza por vezes acirra a veia poética em algumas pessoas, Outras desdobram-se em actividades quando a mágoa as visita. Eu fico quieto, muito quieto, com a cabeça a doer, com a alma dorida de tanta coisa.

E apetece-me dizer tanto, escrever tanto... Apetece-me usar o meu sentimento para alguma coisa, nem que seja para mim mesmo. Mas nada consigo alcançar. Vejo os dias correrem à minha frente como a àgua que desliza musicalmente num ribeiro veloz. Fico encantado com o som da passagem, confundo-o com evolução e mudança. Mas não sei o que fazer com o meu tempo. Tenho tanto tempo, e mesmo assim nunca tenho horas suficientes para o que quero.

Será possível ficar-se deprimido por causa de uma depressão? Não paro de achar novos lados e facetas deste odioso eu; descubro agora que tenho a patética capacidade de me entorpecer com o entorpecimento. Estou triste em consequência de ter estado triste. Sinto-me magoado para além do que a minha mágoa me inflige.

Mesmo esta página é um reflexo do meu tédio incompreendido. A cada minuto penso em coisas que poderia tentar verter em palavras e colocar aqui, se fosse caso para isso e se o conteúdo fosse adequado. No entanto, deixo semanas entre os meus fracos textos, dias e dias entre meras criações tecladas à pressa com a cabeça vazia e a alma cheia.

A mágoa tolda-me todos os movimentos, bloqueia-me toda a iniciativa. Fico preso num mundo cinzento, num lugar sedutor e quente que me sussurra suavemente ao ouvido para me deixar adormecer, para esquecer e entregar-me indolentemente aos dias que passam. E eu cedo, acabo por reduzir-me à nulidade daquele que posso ser. Tudo sinto e nada faço, e com isso me entristeço. Mudar é uma anedota; falta-me um estímulo exterior. Estou demasiado desligado de tudo e de todos na minha vida para poder encontrar uma razão que me faça acarinhar cada dia como um belo dia. Falta-me algo para que o despertador toque todas as manhãs e eu não deseje poder desaparecer para sempre assim que me apercebo de mais uma jornada que se inicia. Nem é medo da vida, é tédio da vida.

Não gosto de mim. Não gosto desta irreconhecida assunção de derrota. Devo sentir que já não há mais nada a fazer e que devo desistir. Mas não quero fazê-lo. Não está na minha natureza amar a monotonia, não me corre no sangue a paixão ou o conforto pela conformidade e pela resignação. Não gosto de perder tempo, e muito menos de sentir que o estou a perder. Fico doente, mesmo, quando sinto as fugazes horas a escaparem-se por entre os meus dedos à medida que suspiro e anseio e me perco e fujo de todas as coisas tristes na minha vida.

Mas enfim...

Acta est fabula? Infelizmente, temo que ainda nem tenha começado...