Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

sábado, julho 10, 2004

Poema do Homem Só

Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.

António Gedeão

sexta-feira, julho 09, 2004

Não quero escrever

Não quero escrever…não!

Não quero escrever porque sei que se o fizer, detestarei as minhas criações e verei nelas o enrendilhado excessivo de alguém que nunca tem nada para dizer.

Não quero escrever porque acabaria por escrever acerca de mim e do que penso, do que sinto, do que faço e do que desejo. E eu odeio-me tanto, tanto…

Não quero escrever porque sei que escreveria acerca dela… E eu não quero escrever sobre ela, eu não me quero lembrar dela e de quanto a amo, de como ela é e de como me fala, como me trata tão afectuosamente, como me faz sentir tão feliz e infeliz ao mesmo tempo.

Quero fechar tudo no meu coração e deitar fora a chave desse reino de sentimentos. Quero guardar segredos e sentir-me superior por causa disso, sabendo, no entanto, o quão ridículo e francamente desprezível eu devo ser. Quero ser inferior e fazer disso uma superioridade. No fundo, só quero continuar a ser como era antes de tudo isto começar…

Não me quero lembrar e não quero sentir. Neste momento, julgo poder adivinhar todos os prazeres ocultos de uma vida cinzenta e fechada, alegrias inconscientes que me estão vedadas por que eu odeio a solidão. É tão triste e cruel possuir tanto dentro de mim e nada poder fazer sobre isso. É uma tristeza e crueldade que não faz livros ou inspira compaixão. É uma tristeza que nos torna sós e nos faz continuarmos sós.

"Que a terra me seja leve."