Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

segunda-feira, maio 31, 2004

Nada pode ser simples?

Março foi um mês de desgosto.

Sei apontar com toda a precisão o dia que me leva a dizer isso, mas tal é irrelevante para o que quero presentemente exprimir.

Nunca fingi não ser uma criatura de paixões e sensibilidades. Nunca me enganei ao pensar que poderia existir ao longo do meu tempo sozinho, sem amar ou sem admirar. Os anos passaram docemente, deixei de recordar essas honestidades. Depois, subitamente, descobri que estava apaixonado.

Não dirão todos os apaixonados mais insensatos que nunca conheceram tão grande e inflamada paixão como aquela que vivem naquele momento? Não se prontificarão todos a proclamarem a sua maior entrega de alma à musa por quem de momento sentem admiração? E não serão todos eles ridículos e absolutamente desprezíveis por se precipitarem em tão triste leviandade?

Seja. Pois então eu vou correr o risco de me aparentar com eles: vou dizer sem sombra de dúvidas que jamais amei alguém como amo a minha presente amada. E sei que estou certo. Não vou negar que, ao longo da minha curta vida, tenha sentido fortes paixões, com uma em particular a ocupar os meus mais novos anos. De longe, contudo, não as posso considerar muito mais que meras inclinações. Mesmo que eu goste de atribuir a uma delas um papel muito importante e intenso na minha vida, tenho de reconhecer que é só por causa da minha então inexperiência nestas coisas ternas do coração, e da minha tendência abominável de tudo exagerar.

Sem sombra de dúvidas, nunca amei tanto como agora.

E foi em há uns meses atrás, em Março que eu percebi isso, pela maneira como sofria. Sofri uma terrível semana, cheia de pensamentos e desilusões. A boa da minha amada não teve qualquer culpa, fui eu que me senti assim ao perceber que amava uma pessoa muito mais extraordinária do que inicialmente tinha concebido. Foi um tempo em que me apercebi de muitas coisas, em que me fechei durante uns dias e pensei, e senti… No final da semana, numa tarde serena de sexta-feira, elaborei a minha reflexão final. Lembro-me de ter ido ver um filme nessa tarde, de saber bem que isso me ia fazer mal (dada a melancolia dessa particular obra). Depois disso, caminhei durante uns minutos. Comecei a perceber que trazia comigo uma tristeza maior do que tudo aquilo que eu já tinha sentido, e vastamente superior a qualquer forma de expressão que eu pudesse dominar. Sentei-me num pacato jardim, em profundo silêncio. Conseguia ouvir a mágoa a crescer dentro de mim, um desalento indescritível a toldar-me cada intento.

Era….terrível. Sentia-me pesado, com uma dor que me habitava o corpo. Não conseguia identificá-la, não a compreendia, mas ela estava lá. Não conseguia respirar. A todo o instante tinha vontade de gritar, de chorar, de correr e de me rasgar livremente entregando-me às tormentas do espírito. Lembro-me vivamente de chegar a casa, onde vivo sozinho, e sentar-me, de olhos vagos e perdidos. Maquinalmente, liguei o meu computador naveguei durante uma meia hora, distraído e magoado.

Depois, não consegui aguentar mais. As lágrimas escorreram-me pelas faces com uma volúptia que eu não conhecia. Arrastei-me para o meu quarto onde me afundei na cama e dei largas à minha tristeza. As horas passaram e só as lágrimas generosas e a minha tristeza intocável me mantinham companhia. Foi uma hora negra, uma hora do mais profundo desespero. E eu sei que é pretensioso da minha parte estar a descrever estas coisas, quando há tanta boa gente por aí que tem tormentas gravíssimas quando comparadas com as minhas maleitas. Mas, ai! Sou tão egoísta!

Chorei, chorei como nunca me tinha deixado. Entre cada soluço e cada suspiro, via a sua face, lembrava-me da sua voz e dos seus vivos olhos negros que tanto me assombravam. Recordava a sua voz. Inovacava a sua presença. Poucos imaginariam que pudesse ser tão cruel conhecer a verdadeira beleza, mas esquecendo-se que isso implica também para mim perceber que jamais possuiria a criatura que mais amo neste desconsolado mundo. Triste dia, triste dia!

E hoje, como me sinto?

sábado, maio 15, 2004

Uma prova

É–me interessante ver que não tenho escrito muito, neste últimos tempos. Especialmente para este cantinho abandonado do exílio. Já passam mesmo semanas desde que fiz a tola proclamação de abrir um círculo neste aglomerado de textos e de dissertar livre e pobremente, como já é a minha ilustre marca, sobre o tema escolhido. Nem tão pouco me pretendo desculpar, pelo meu hiatos ou pela minha débil escrita, pois isso acarretaria a inefável assunção de que os meus textos eram efectivamente lidos e comentados o que, felizmente, não é o caso.

Hoje, que não marcará o início de tão auspicioso ciclo de angústias e tormentas revoltantes, pretendo fazer uma pequena invocação. Uma invocação às musas, se a tais seres gostarmos de atender. Musas de Olimpo ou de Helicon, as Três ou as Nove, é-me indiferente. Tratar-se-á sempre de um pedido para que me seja concedida inspiração e verve, assim como o seu pronto comando e domínio.

Pela natureza desta entrada, faça-se revestir todo o texto de uns gigantes parêntesis.

Mais uma vez, não há detalhes ou concretismos a dar. Bastará referir que se aproxima a data em que terei de saber oferecer o meu melhor porque serei novamente posto à prova (repare-se que digo novamente, mas isso é algo que só dentro de alguns dias será inteiramente claro ao leitor). É um pequeníssimo desafio, alguns diriam, mas que se afigura de imensas proporções para a minha reduzida alma, tanto que mais que pode marcar um ponto de viragem, se eu assim o desejar (o que não desejo), na minha já conturbada vida.

Curiosamente, é tanto uma prova de sentimento e valor quanto um teste literário. Os meus fracos conhecimentos estético-literários serão também eles objecto de cuidado pela minha parte. Cada palavra terá de ser escolhida com ínfima consideração. Cada frase deverá ter o sentido exacto que eu pretender. Cada um dos meus sentimentos tem de encontrar correspondência imaculada nas palavras que venha a inscrever nessa complicada carta.

Não escondo que tenho medo, que tenho receio daquilo que posso afirmar ou, por formas correctas ou incorrectas, assumidas ou inadvertidas, dar a entender. Tenho medo de mim próprio e de como posso reagir perante uma situação de profunda sinceridade com os meus sentimentos.

Não deixa, no entanto, de ser interessante este teste. Não é todos os dias que me sinto na obrigação de seguir um imperativo tão forte de rigor e cuidado. É quase adorável a forma como não consigo deixar de pensar no que tenho de fazer e na forma perfeita como o tenho de fazer. É apaixonante reconhecer os pensamentos perdidos que preparo e ordeno, é quasi-enternecedor ver o grau com que me preocupo. Em suma, aperceber-me que no fundo tomo isto muito a sério. E nunca acho demais recordar para mim próprio da absoluta necessidade de eu, chegada a hora, saber estar no meu melhor, de eu exceder-me em todos os níveis possíveis de excelência atingível.

Começo a pensar, agora, se a certeza só se prova com a consequência. Pretendo realizar este trabalho mas serei capaz de o fazer, mesmo sabendo ou suspeitando fortemente que sou capaz? Tenho a certeza que sim, mas até essa certeza se traduzir em facto e consequência, em algo de tangível, como poderei reconhecer a validade das minhas ambições? Ou nem haverá certezas antes de uma efectivação material ou abstracta do seu conteúdo? Talvez seja um debate que eu deseje aprofundar noutra altura. Sinto que por hoje já esgotei o que de possivelmente relevante haveria no meu pensamento numa torrente excessiva de palavras.

Invoco, pois, todos os poderes elusivos da inspiração, para que me acompanhem nas próximas semanas e me dêem as forças necessárias para que eu saiba erguer o meu espírito à altura do desafio. A hora aproxima-se, célere e imperdoável, e eu tenho de estar preparado quando o derradeiro momento chegar.