Tempo de Solidão

"Tempo de solidão, tempo de exílio."

segunda-feira, março 29, 2004

Monólogos

Ela fala, eu escuto. Eu falo, ela escuta. Cada um por sua vez. Cada um por si. Ela fala e eu amo-a. Eu falo e ela escuta. Falamos sem falar, num encadeamento doloroso de monólogos dialogados. E tenho de conter as lágrimas ao vê-la à minha frente e no entanto tão distante, tão longínqua…

Tenho de sofrer por a amar e não lho poder dizer. Se eu apenas pudesse mitigar a distância de espírito! Só a quero segurar nos meus braços, tudo o que quero é alcançá-la…. Oh, se eu ao menos a pudesse envolver num terno e eterno abraço e com isso mostrar-lhe como a amo!…

Mas a nossa conversa é também tão agradável, tão sedutora! E a cada palavra que ela murmura o meu coração percebe o quão valoriza a sua voz e a sua presença. Oh, o que é que haverá para contar? É mais uma história de um apaixonado e do que sente!

Caminhamos juntos, e falamos. E aí começamos a perceber-nos um ao outro. Pelo menos eu percebo-a, e ao fazê-lo percebo porque a amo. É perigoso, perceber porque é que amamos. É tão perigoso que pode mesmo marcar o ocaso do amor. Mas felizmente não é isso que me sucede.

Quando nos separamos, estou feliz, é é porque me encontrei alegre que desco até às trevas da amargura pouco depois. Depois da agradável caminhada, depois da agradável conversa, e depois de algum tempo passado com a pessoa que verdadeiramente amamos, como evitar pensar em tudo isso e sentir, mesmo tão perto, mesmo passadas apenas umas horas, uma intocável saudade por tudo o que foi dito, e tudo o que podia ter sido feito!

Falemos de um amor grande demais para o meu coração. De um amor que eu jamais saberei exprimir (não, que eu jamais consentirei exprimir!). Talvez o momento chegue ( e qual será a melhor forma de erradicarmos os nossos demónios pessoais do que dizermos à nossa amada quem amamos?), talvez eu ainda a possa amar. Até lá, tempo de solidão…

segunda-feira, março 22, 2004

Perdido

Ele estava perdido.

Caminhava lentamente, com um passo certo e aferido, um passo sem pressa, mas também sem objectivo. Procurava algo, mesmo que não soubesse ainda o quê.

Subia ruas e trepava por escadinhas perdidas, conquistava colinas de betão e embrenhava-se por becos. Desafiava multidões de faces vazias e olhava para o céu azul. Caminhava, caminhava, caminhava. E sabia já que continuaria a caminhar até encontrar aquilo que queria, mesmo que não soubesse o quê.

De súbito, viu-se a si próprio. Continuava a caminhar, era ainda ele, mas via-se a si próprio de um ponto distante. Os seus passos continuavam e ele comandava-os com a mesma regularidade de sempre. Era ele, mas havia outro ele, mais distante, que o via também. E esse também era ele, como se de um sonho se tratasse, como se por alguma razão o seu espírito tivesse escolhido repartir-se pelo espaço e estender-se a seu prazer. Pouco a pouco, foi só essa realidade que contou, foi só essa a perspectiva que ele escolheu para se guiar. Estava agora a caminhar e a ver-se pelos olhos de outrem, mas através de si mesmo.

Tudo isto lhe fazia sentido.

E viu-se, pobre criatura perdida, vagueando, errando sem esperança, ou com talvez esperança a mais no seu coração. Haveria sequer diferença? A sua silhueta era indistinta. Ele via-se contra a luz do sol brilhante, ela era um vulto que contrastava com os tons laranja das reflexões citadinas, com a imobilidade da beleza dos bairros antigos que atravessava. No topo de uma colina onde se encontrava, só se via como vulto disforme, rasgado, um pedaço de escuridão andante, perdido, perdido…

Sentiu vontade de parar. Sentiu vontade de ceder à sua dúvida. Sentia uma incomensurável ânsia de retroceder e regressar, fosse para onde fosse que ele provinha, sentiu aquela dúvida que acomete a alma que deixa de encontrar razões para prosseguir na sua demanda. Interrogou-se porque é que tinha de fazer aquilo, interrogou-se acerca do seu objectivo e do seu derradeiro fim. Chegou mesmo a ter a manifesta imprevidência de se interrogar sobre o que procurava.

Não conseguiu responder, mas também não soube dizer porque é que não conseguia encontrar resposta. Não havia razão para avançar. Não havia razão para retroceder.

Continuou, vulto indistinto das trevas assoladas, continuou na sua caminhada…